Vivi Fernandes de Lima
Reabilitar movimentos corporais com um instrumento musical que é dançado, relacionar gado bovino com a fauna amazônica, desenvolver eletrodos para gerar o hidrogênio do futuro. Os temas de pesquisa, complexos, são registrados em centenas de páginas até serem defendidos diante de bancas de especialistas. No entanto, foram apresentados em vídeos de apenas três minutos, no canal do YouTube do Fórum de Ciência e Cultura (FCC), por duas semanas em setembro. Isso porque 327 pesquisadores se inscreveram no concurso acadêmico “3 Minutos de Tese na UFRJ – Inovação em Cena”.
Fruto de uma parceria do Fórum com a Pró-Reitoria de Pós-Graduação e Pesquisa (PR-2), a iniciativa se inspira no modelo internacional Three Minute Tesis (3MT), desenvolvido pela Universidade de Queensland, na Austrália. Trata-se de uma competição que premiará com R$ 5 mil os três primeiros colocados de cada grande área de conhecimento. São elas: Ciências Agrárias, Biológicas e da Saúde; Engenharias e Ciências Exatas e da Terra; e Ciências Humanas, Sociais Aplicadas, Linguística, Letras e Artes.
O concurso busca desenvolver as competências de comunicação dos participantes, promover a cultura científica e fortalecer o papel social da universidade. Para atingir esses objetivos, os participantes devem transformar suas pesquisas em apresentações acessíveis e criativas para o público não especializado. O maior desafio, segundo a coordenadora do FCC, Christine Ruta, é a produção de síntese: “Traduzir anos de pesquisa em apenas três minutos, de forma clara, criativa e envolvente, é desafiador. É um exercício intenso de comunicação e empatia, que exige não só conhecimento técnico, mas também habilidade para contar histórias e dialogar com públicos”.
A competição tem três etapas. A primeira delas foi a habilitação dos inscritos, que tiveram que enviar um vídeo de até três minutos e um slide, além de documentação acadêmica. Na segunda, os candidatos foram avaliados sob os seguintes critérios: compreensão e clareza do conteúdo, engajamento do público e habilidade de comunicação. Sete estudantes de cada uma das três grandes áreas de conhecimento, os finalistas, recebem acesso gratuito a um curso online de divulgação científica. Os 21 selecionados participam, então, da terceira e última etapa, presencial, que até o fechamento desta edição ainda não havia acontecido.
Contato imediato
Fisioterapeuta e mestra em Dança, a finalista Anielly de Jesus é doutoranda de Engenharia Biomédica e apresentou sua pesquisa, que busca identificar padrões neurológicos para a reabilitação de movimentos em pessoas que tenham alguma lesão. Como? Utilizando um instrumento musical para ser dançado, o Contato, desenvolvido pelo grupo de pesquisa Partitura Encenada. O nome explica um pouco da dinâmica: para funcionar, precisa estar em contato com a pele. É um equipamento eletrônico com sensor. Dependendo de onde estiver no corpo, capta a angulação e a aceleração de movimentos e envia essas informações para um programa que as transforma em som. Assim, enquanto se dança com o Contato, também se toca uma música. “A pesquisa busca ampliar o uso do equipamento sonoro para a área da saúde, na reabilitação fisioterapêutica. Acredito que as pessoas que forem tratadas com o Contato terão maior adesão ao tratamento. A recuperação será mais rápida”, explica Anielly.
Explicar o estudo e sua importância de um jeito que detenha a atenção do público geral num tempo tão curto é desafiador não só pela capacidade de síntese, mas também pela forma de se comunicar olhando para uma câmera. Anielly optou por gravar o vídeo de forma mais espontânea. Para não se perder no discurso, ela conta que fez “um script básico para não viajar muito na maionese”. Além desse roteiro, criou um slide com fotos de apresentações artísticas feitas com o Contato.
Política de extermínio
A fotografia, aliás, é um elemento que pode atrair a atenção dos telespectadores. David Durval Jesus Vieira, também finalista, doutorando de História Social, apresentou registros do Álbum do Estado do Pará (1908) – obra rara impressa em Paris a mando do então governador, Augusto Montenegro – para ilustrar sua pesquisa sobre redes de contato entre gado bovino, humanos e fauna amazônica, de 1852 a 1945. No enquadramento, estavam fotos de gado bovino e búfalos em fazendas e até de matança de jacarés em Marajó, ajudando a contar a história de como grandes proprietários de terra que criavam gado bovino naquele período lideraram uma política de extermínio de parte da fauna amazônica.

A escolha das fotos, segundo o historiador, contribuiu para a síntese da apresentação: “As imagens são bem representativas do período: o governo estimulava a introdução de gados e considerava os animais amazônicos, como jacarés, onças, cobras e morcegos, inimigos dessa política”, destaca Vieira, ressaltando uma contradição da época: “Tanto a introdução de búfalos na Amazônia quanto a matança de jacarés ocorreram quando já havia estudos sobre questões ambientais como as do cientista Emilio Goeldi (1859-1917)”.
Dourando a Química
Mas nem todas as pesquisas contam com esse recurso visual. As que se dedicam a objetos mais abstratos exigem mais da habilidade retórica do cientista. É o caso do estudo de André Guimarães de Oliveira, doutorando de Engenharia de Processos Químicos e Bioquímicos, que pesquisa o desenvolvimento de fotoeletrodos para a geração de hidrogênio verde. “A química é um tema abstrato, e muita gente já tem uma rejeição à disciplina desde o tempo de escola”, destaca Oliveira.
Para quebrar a desconfiança do público, o químico optou por começar o vídeo falando sobre um assunto mais conhecido dos noticiários hoje em dia, a crise climática, e por explicar conceitos mais simples – como o fato de a molécula de hidrogênio ser um gás – para o espectador compreender o que está estudando de fato: “Na hora de falar de química para divulgação científica, é importante tratar um conteúdo mais básico, que vem lá do ensino médio, para que a pessoa tenha pelo menos uma noção do tema mais complexo”. A partir dessa explanação básica, ele avança: “Estou pegando uma molécula de água, separando seus átomos, hidrogênio e oxigênio, e gerando dois gases. Para fazer isso, preciso de um material que tem vários elementos químicos: o meu fotoeletrodo, que é o grande tema da minha pesquisa de doutorado”.
A atividade em redes sociais contribui para adquirir essa desenvoltura em vídeo. Em 2018, Oliveira criou um canal no YouTube, chamado “Ciência que lá vem história”. No mesmo ano, foi semifinalista no FameLab Brasil, concurso semelhante ao 3MT organizado pelo British Council. “Mesmo com essas experiências, não é fácil, porque é muita coisa para fazer só em três minutos. Tem que ir lapidando.”
O desafio também está no esforço de cada participante em divulgar ao máximo seu vídeo, já que um dos critérios de avaliação da segunda etapa da competição é a interação dos internautas. Para isso, Anielly foi à luta: “Compartilhei entre meus amigos e familiares, nos grupos de que faço parte, não só da faculdade. Dentro desses grupos, fui clicando no privado um a um. Também visitei turmas da Dança e da Fisioterapia para falar do assunto”. Todo esse trabalho, segundo a doutoranda, não é só pelo prêmio em dinheiro: “Acho que ciência não é feita para estar numa panela, tem que alcançar todas as pessoas de maneira geral”.
Além de aumentar o alcance das pesquisas, a circulação dos mais de 320 links das apresentações – alguns com mais de 2 mil curtidas no YouTube – pode despertar a atenção de pesquisadores para a divulgação científica. “Esperamos consolidar o prêmio 3MT como uma ação inovadora dentro da UFRJ, capaz de valorizar a pesquisa de doutorado e, ao mesmo tempo, abrir novos canais de diálogo com a sociedade de maneira acessível, com linguagem simples, mas sem perder profundidade e credibilidade técnico-científica”, ressalta Christine Ruta, já na expectativa de que a competição continue no futuro: “Queremos que seja um ponto de partida para novas edições, estimulando cada vez mais estudantes a participarem, contribuindo para que outras universidades realizem também esse projeto”.
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