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História da Minerva

História da Minerva

Quem é esta senhora?

Símbolo da UFRJ desde a década de 1920 e imagem consolidada na comunidade acadêmica, a deusa greco-romana Minerva sintetiza valores fundamentais da pesquisa científica, como a busca do conhecimento e a sabedoria

Eugênia Lopes
Superintendente de Comunicação da UFRJ

Em uma manhã de setembro, no campus da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), na Praia Vermelha, a bibliotecária Érica Resende, 48 anos, arregaça a manga da blusa e exibe o tríceps esquerdo. Ali, na pele, está gravada uma deusa. “É a Minerva”, diz Érica. A tatuagem, feita em 2021, foi a forma que ela encontrou de celebrar o centenário da UFRJ, comemorado um ano antes, e, ao mesmo tempo, marcar a conquista do sonho de ser servidora da maior universidade federal do país.

“A Minerva é a deusa da sabedoria, tem tudo a ver com a profissão de bibliotecário. Fiz a tatuagem como gesto de resistência, orgulho e amor à universidade”, conta Érica, hoje doutoranda em Educação, funcionária da universidade desde 2008. O desenho não é cópia exata do brasão oficial da UFRJ. Foi criado especialmente para ela por um tatuador da família. “Queria algo único, mas fiel ao simbolismo da Minerva. Pedi que incluísse o Pão de Açúcar, porque é uma marca da cidade e também está presente nas representações criadas da deusa”, explica.

Érica não é a única a cultivar esse vínculo afetivo com a efígie que atravessa a história da instituição. Em Ramos, Zona Norte do Rio, a aposentada Regina Célia Alves Soares Loureiro, mais conhecida como Regininha, guarda em casa, no escritório, uma réplica do medalhão da Minerva feita pelo escultor Joaquim de Lemos e Sousa. O mimo, que lhe foi presenteado nos anos 1990 pelos colegas da universidade, é um xodó.

“Meu sonho era estudar na UFRJ, e o símbolo da Minerva sempre me atraiu. Consegui realizar esse sonho, me formei em economia, trabalhei na universidade por mais de quatro décadas. A Minerva me acompanha desde então. Ter a Minerva em casa é ter um pedaço da UFRJ comigo”, resume Regininha, 70 anos. Apaixonada pela universidade, ela já planejou que, caso seu filho não queira ficar com a peça, a escultura voltará para o ambiente acadêmico. “Se ele não quiser, vai para o Museu Dom João VI. A Minerva é parte da minha vida, mas também é patrimônio da UFRJ.”

A escolha de 1925

Criada em 1920, sob o nome de Universidade do Rio de Janeiro, a UFRJ uniu as escolas imperiais de Medicina, Direito e Politécnica. Cinco anos depois, o Conselho Universitário (Consuni) decidiu que era hora de escolher um rosto, um símbolo para a recém-criada instituição. Um concurso foi aberto. O vencedor foi Raul Pederneiras, professor da Faculdade Nacional de Direito e caricaturista renomado, que apresentou uma deusa sentada em um trono, com um friso ao fundo representando a entrada da Baía de Guanabara.

O desenho refletia o espírito do tempo: adotar uma figura greco-romana como sinal de modernidade e civilização. “No início da República, as elites buscavam legitimação em símbolos da cultura greco-romana. Era a ideia de que o berço da civilização ocidental estava na antiguidade clássica”, explica Andréa Queiroz, historiadora e diretora da Divisão de Memória Institucional (Sibi) da UFRJ. “É um contexto elitista, mas que ajudou a moldar o imaginário da universidade.”

Ao longo das décadas de 1930 e 1940, a efígie foi ganhando variações, passando a figurar em diplomas, selos e papéis oficiais. Nos anos 1950, assumiu a forma de medalhão e baixo-relevo em gesso. Mas só na década de 1990, a Minerva ganharia tridimensionalidade e uma presença mais marcante na vida universitária.

O resgate nos anos 1990

Em 1993, a UFRJ vivia uma multiplicidade simbólica. Nada menos que 16 versões diferentes da Minerva circulavam pelos documentos oficiais. Coube ao então reitor, Nelson Maculan, a decisão de unificar a imagem.

Maculan confiou a tarefa ao escultor Joaquim de Lemos e Sousa, professor titular da Escola de Belas Artes, com a missão de refazer a Minerva, dar-lhe unidade, força estética e reconhecimento institucional. “A Minerva é a deusa do conhecimento, da sabedoria e representa a mulher. Foi uma sorte termos escolhido esse símbolo”, afirma Maculan. “Professor não forma ninguém; dá exemplo de vida. A Minerva é também esse exemplo, silencioso e permanente.”

O trabalho teve continuidade na gestão seguinte, do reitor Paulo Gomes, que recorda a importância da empreitada. “Quem teve a ideia inicial foi a professora Lúcia Siano, assessora e chefe de gabinete na Reitoria. Ela chamou Joaquim e pediu que modernizasse o símbolo. Foi um resgate. A Minerva ganhou visibilidade e grandeza”, conta Gomes.

As esculturas se espalharam pelo campus da Ilha do Fundão. Algumas em bronze, outras em gesso patinado ou resina. Na entrada do antigo prédio da Reitoria, no Jorge Machado Moreira, o JMM, uma versão imponente guarda o hall. No Centro de Tecnologia, um medalhão de bronze recebe os visitantes logo na entrada principal. Há ainda exemplares no Centro de Ciências da Saúde, no antigo Salão do Conselho Universitário (Consuni) e no Museu Dom João, entre outros.

Paulo Gomes lembra que a figura da Minerva não está presente apenas nas esculturas de Joaquim. Faz questão de evocar o medalhão em ouro que orna a vestimenta oficial dos reitores da universidade, um presente da Escola de Minas Ouro Preto. Até 1960, a Escola de Minas era subordinada à Universidade do Brasil, hoje UFRJ. “É uma Minerva muito bonita, que todos os reitores usam com vestimentas nas solenidades oficiais”, observa o ex-reitor.

A mão do escultor

Aluna de Joaquim de Lemos e hoje professora da Escola de Belas Artes, Benvinda de Jesus analisa o impacto da obra do mestre. “O Joaquim trouxe a tridimensionalidade. Ele tirou a Minerva do plano e a transformou em volume, forma e presença. Cada elemento carrega uma simbologia. A qualidade técnica dele seduz. Por isso a Minerva que ele fez virou o símbolo mais reconhecido da universidade”, argumenta a professora.

Além do capacete e da coruja, símbolos clássicos da sabedoria, a Minerva de Joaquim carrega traços locais. O Pão de Açúcar aparece esculpido na base, enquanto o Cruzeiro do Sul surge acima da cabeça. “Ela tem o Pão de Açúcar embaixo e o Cruzeiro do Sul em cima. É Minerva, mas também Rio de Janeiro”, observa Paulo Gomes.

Benvinda tornou-se guardiã da memória do professor e das próprias esculturas. Foi responsável por restaurar e conservar algumas delas. “A Minerva é patrimônio, precisa de cuidado. Assim como documentos e acervos que usamos em aula. Sem conservação, a universidade perde identidade”, defende.

Algumas das peças sofrem com o tempo. A mais volumétrica, instalada na entrada do prédio Jorge Machado Moreira, onde funcionava a antiga Reitoria, já passou por mapeamento de danos e aguarda restauração.

Símbolo em mutação

Ao longo do tempo, a deusa se multiplicou. Hoje está nas esculturas, mas também nos sistemas digitais. A base de dados bibliográfica da universidade chama-se Minerva; o repositório institucional, Panteão; a área de arquivos permanentes, Mnemosine.

A historiadora Andréa Queiroz observa que, no decorrer dos anos, o símbolo foi ganhando novas camadas. “Cada representação traz um pouco do seu tempo. Nos anos 1920, era legitimação de uma elite. Nos anos 1990, resgate de identidade. Hoje, a Minerva é objeto de afeto, tatuada no braço de uma bibliotecária, enfeitando a sala de uma servidora aposentada. Símbolo e memória, mas também é crítica e nos convida a pensar a universidade que queremos”, avalia a historiadora, que faz planos para tatuar uma Minerva.

Voto de Minerva

Na mitologia romana, Minerva – ou Atena para os gregos – era convocada a decidir quando os deuses se dividiam. Seu voto encerrava impasses, dava rumo. Na UFRJ, a deusa cumpre papel parecido ao atravessar incêndios, crises orçamentárias e sucessivas gerações.

Talvez por isso seja reconhecida de tantas formas: na escultura monumental do Centro de Tecnologia, tratada como ponto turístico; no medalhão dourado que orna o traje dos reitores; no broche, na camiseta, no chaveiro; na tatuagem gravada na pele; ou na réplica guardada como troféu. “É mais do que logomarca. É uma senhora que nos acompanha, com seus mais de 100 anos de história. Uma guardiã de pedra, gesso e bronze, mas também de carne e memória”, resume a servidora aposentada Regininha.

Minerva se revela, ao mesmo tempo, austera e popular, clássica e contemporânea, distante e íntima. É deusa, símbolo, afeto. E agora também forma um ecossistema de divulgação científica: a Minerva que dá nome à nova publicação da UFRJ – revista, portal, redes sociais, banco de fontes –, feita para disseminar ciência, cultura e pensamento crítico. Se as estátuas e os medalhões são guardiões materiais da memória, a revista se propõe a ser sua versão multimídia, lembrando que conhecimento é sempre um gesto de resistência e de futuro.

 

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Mais que uma deusa, um arquétipo eterno

Minerva é, até hoje, o arquétipo da razão sobre o instinto, da mente que enxerga padrões e do espírito que domina o caos com inteligência. Ela é a voz que diz: ‘a força é poderosa, mas o raciocínio vence batalhas que os músculos jamais poderiam travar.’

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Quem é Minerva?

Linha do tempo mostra a evolução da imagem da deusa como marca da UFRJ.

1925
Primeiro lugar

Raul Pederneiras (1874-1953) vence concurso e cria o símbolo: deusa entronizada, com friso da Baía de Guanabara

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1950
Fina estampa

Após variações nos anos 1930 e 1940, efígie frequenta selos oficiais e assume estilo que seria usado em medalhões

UFRJ_0000_Minerva-1954_interno (2)
1993
Unidade estética

Joaquim de Lemos e Sousa resgata, moderniza e unifica a imagem: esculturas são espalhadas pelo Campus do Fundão

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2021
Design centenário

Na esteira dos festejos de 100 anos da UFRJ, Minerva ganha aplicações múltiplas em novo manual de identidade visual

UFRJ_0002_minerva_foto_2021_interno