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Nova espécie no Sul e dentes no Nordeste: revelações jurássicas 
Vestígios de abelissaurídeos, carnívoros que viveram na última fase dos dinossauros, apontam para novos estudos (Ilustração de Lucas Mateus)

Nova espécie no Sul e dentes no Nordeste: revelações jurássicas 

Museu Nacional e Laboratório de Macrofósseis participam de descobertas que reforçam importância do Brasil no mundo dos dinossauros

Maria Clara Patrício

Em 1824, o professor de geologia da Universidade de Oxford, William Buckland (1784-1856), foi o responsável por descrever e batizar o primeiro dinossauro já identificado, o megalossauro. Desde então, inúmeras descobertas ampliaram o conhecimento sobre essas criaturas, desde seus comportamentos e características físicas até sua evolução ao longo de milhões de anos. Com a colaboração do Museu Nacional/UFRJ e do Laboratório de Macrofósseis do Departamento de Geologia da UFRJ, surgem duas revelações recentes e realizadas em território nacional: uma no Nordeste, marcada pela descoberta de dezenas de dentes de abelissaurídeos e pelo desenvolvimento de um aplicativo para identificá-los; e outra no Sul, que resultou na descrição de uma nova espécie de silessauro, parente próximo dos primeiros dinossauros.

A paleontologia depende tanto da sorte de encontrar fósseis bem preservados quanto da capacidade de reinterpretar materiais já guardados. Também depende, cada vez mais, do uso de ferramentas tecnológicas que ajudam a dar novos significados a descobertas antigas. Fossilizados ao longo de eras, esses ossos e dentes preservam pistas sobre esses animais que viveram há milhões de anos.

Mais de 40 dentes de abelissaurídeos foram achados na Formação Açu (Foto: Theo Batista)

Resultado de mais de dez anos de pesquisas da equipe do Laboratório de Macrofósseis do Departamento de Geologia da UFRJ em parceria com outras instituições como a Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj), a Universidade Federal de Goiás (UFG) e a Universidade Estadual do Rio Grande do Norte (Uern), um achado foi feito na Formação Açu, localizada entre o Rio Grande do Norte e o Ceará. Surpreendendo os pesquisadores, a região revelou mais de 40 dentes de abelissaurídeos, dinossauros carnívoros de médio a grande porte que viveram no período Cretáceo, conhecido por ser a última fase da era dos dinossauros.

Essa abundância de dentes levanta hipóteses que vão desde uma possível diversidade de espécies na região até a possibilidade de preservação de diferentes fases de crescimento de um mesmo grupo. O problema é que dentes isolados são um dos materiais mais difíceis de identificar. “Eles têm pouquíssimas diferenças morfológicas entre os grupos. Diferentemente dos mamíferos, que apresentam dentições tão distintas que permitem com que identifiquemos até mesmo diferentes espécies, nos dinossauros nós conseguimos identificar no máximo até o nível de família na maior parte dos casos”, explica o pesquisador Theo Batista, biólogo formado pela UFRJ e doutorando em Ecologia e Evolução na Uerj, responsável pela pesquisa.

Aplicativo dos dinos

Motivado por essa dificuldade, Batista entrou em contato com seu primo, o engenheiro Luiz Felipe Vecchietti, e juntos desenvolveram o aplicativo Dino Toothfier. A ferramenta tem como objetivo principal democratizar o acesso a essa análise e auxiliar os pesquisadores que não estão acostumados com linguagens de programação mais avançadas. E para utilizá-la, é muito simples: “O pesquisador só tem que realizar o upload de uma pasta de Excel com as medidas dos fósseis exigidas para assim obter os resultados da identificação gerados pelos cinco diferentes modelos de machine learning”, explica.

Essa tecnologia, um campo da inteligência artificial, permite que sistemas aprendam a reconhecer padrões a partir de grandes volumes de dados. “Para isso é necessário apenas clicar em um botão e em instantes as análises são realizadas”, diz Batista. Para a paleontologia, essa facilidade representa um salto, porque aproxima a prática científica de recursos de inteligência artificial que podem acelerar etapas e abrir o campo a novos públicos. Não substitui o olhar do especialista, mas funciona como um apoio valioso no estudo que lida com vestígios frágeis e muitas vezes escassos.

Ave de pedra

Enquanto isso, no Sul do país, paleontólogos brasileiros e argentinos fizeram a descoberta de um fóssil que pode ajudar a repensar o entendimento da evolução dos dinossauros. Achado em Santa Cruz do Sul (RS) e guardado por décadas em uma coleção científica da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), um material foi revisitado e revelou uma espécie inédita para a ciência: o Itaguyra occulta.

Com a origem de seu nome vindo do tupi (itaguyra = ave de pedra), esse réptil pertence ao grupo dos silessauros. A redescoberta do Itaguyra occulta reforça o papel do país na paleontologia global. Para o paleontólogo Voltaire Paes Neto, pesquisador do Museu Nacional/UFRJ e autor principal do estudo, os fósseis nacionais são muito mais relevantes do que se pensa: “Novas pesquisas vão certamente apontar mudanças na compreensão da origem dos dinossauros com base em espécimes já depositados em coleções brasileiras ou por novos achados encontrados por pesquisadores aqui no Brasil”.

Diante desse potencial, Paes Neto afirma que o país desponta como uma referência no tema. Ele ainda ressalta a importância vital das coleções científicas, que armazenam materiais por vezes subestimados, mas que podem revelar informações cruciais ao serem reexaminados à luz de novos conhecimentos e tecnologias. Esses acervos funcionam como verdadeiros tesouros, prontos para reescrever a história da evolução.

Mensagens do passado

Alexander Kellner, diretor do Museu Nacional e coautor do estudo, reforça essa ideia. Para ele, “a paleontologia é a única ciência que te apresenta a possibilidade de você entender em termos práticos da diversificação e a evolução dos organismos na Terra”. Kellner explica que é por meio da descoberta de fósseis que se obtêm “evidências diretas e concretas da evolução da vida no nosso planeta”. Os dois estudos ilustram essa dinâmica. No Nordeste, a tecnologia surge como aliada para identificar dentes difíceis de classificar; no Sul, a tradição da pesquisa em coleções antigas revela uma espécie inédita.

Para Paes Neto, o país talvez esteja vivendo seu melhor momento para a paleontologia de vertebrados, graças ao aprimoramento dos laboratórios e da formação de recursos humanos nas últimas décadas. Mas ele lembra que há desafios: “Internacionalmente, não há mais como ignorar a produção científica brasileira, mas ainda somos pouco competitivos e mal inseridos na dinâmica de colaboração internacional, refletindo o baixo investimento específico”, ressalta o pesquisador, para quem os vestígios dessas espécies são mais do que achados: “Fósseis são patrimônio de todos nós, uma mensagem do passado feita pelo planeta. Os museus e as coleções científicas são essenciais para a valorização do patrimônio fossilífero do país. São os museus a ponte entre a sociedade e o mundo acadêmico. Fomentar a paleontologia é dar suporte a museus, tornar estes locais viáveis, para que a população aprenda o que são os fósseis, e que o contexto deles, a rocha e sua associação são informações relevantes para a ciência”.

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