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O cientista e o mercador

O cientista e o mercador

A universidade é uma Scherazade moderna: continua viva porque narra bem o que faz, noite após noite, projeto após projeto. Não por fantasia, mas por método, trabalho, revisão e abertura ao debate público

João Torres de Mello Neto
Pró-Reitor de Pós-Graduação e Pesquisa da UFRJ

Venho de família árabe, e as Mil e Uma Noites moldaram o meu imaginário. O mercador vende azeite, tapetes, camelos; mas, antes de vender, conta. Cada mercadoria vem com uma história, às vezes exata, às vezes exagerada, sempre com um fio que liga o comum ao inesperado. A ciência, quando se explica ao público, faz algo parecido: organiza fatos, reconhece incertezas, e mostra por que aquilo importa.

Comecemos pelo caminho do cotidiano ao maravilhamento. Num laboratório da UFRJ, alguém pergunta como a natureza polimeriza a laminina. Na bancada, pipetas, reagentes, registros. Depois de muitos testes, surge uma técnica simples e barata de repolimerização. Em seguida vêm a patente, a conversa com empresas, os ensaios. No fim, vemos um resultado que toca a vida: um paciente que recupera movimentos antes perdidos. Um Lázaro real, não de um livro antigo, mas diante de nós, a quem a bioquímica diz: “levanta-te e anda”. O percurso começa no procedimento repetido e termina no espanto de ver a função voltar.

O movimento inverso também existe: do assombro à aplicação. Pense nos quasares: objetos tão luminosos que superam a soma de galáxias. Sabemos hoje que são buracos negros supermassivos acretando matéria e emitindo radiação. Eles estão tão longe que, para nós, quase não se movem. Viram, assim, marcos de referência no céu. É por isso que seu check-in no aeroporto funciona: o GPS precisa saber com precisão a posição da Terra; como estrelas “próximas” e a galáxia também mudam de lugar, usamos quasares como nosso sistema de referência. O caminho começa no extraordinário e chega a uma ação comum na tela do celular.

Esta é a metáfora das Mil e Uma Noites: cada barril de azeite, cada tapete, guarda um elo entre a necessidade e a surpresa. A universidade é uma Scherazade moderna: continua viva porque narra bem o que faz, noite após noite, projeto após projeto. Não por fantasia, mas por método, trabalho, revisão e abertura ao debate público.

A Revista Minerva, da Pró-Reitoria de Pós-Graduação e Pesquisa da UFRJ, nasce com esse espírito. Queremos contar a pesquisa como quem abre um cesto de mercadorias diante da cidade: mostrar o que foi feito, como se fez, o que deu errado, o que se aprendeu, e por que isso interessa à saúde, à escola, à indústria, ao território e à cultura. Haverá espaço para o laboratório e para o observatório, para a clínica e para o ateliê, para textos curtos e ensaios. Sem verniz desnecessário, sem jargão excessivo. Com rigor, clareza e conexão com o público.

Entre o cientista e o mercador, Minerva busca o ponto de encontro: o método que produz resultados e a narrativa que lhes dá sentido social. Não é vitrine de feitos isolados nem relatório técnico fechado; é um lugar para tecer vínculos entre áreas, mostrar trajetórias e abrir o processo da pesquisa à leitura de quem está fora da academia.

Na Pró-Reitoria de Pós-Graduação e Pesquisa, não morreremos por excesso de modéstia nem por falta de ambição. O ecossistema Minerva nasce para tecer as mil e uma noites de professoras e professores, cientistas, pesquisadoras e pesquisadores, escritoras, escritores e artistas da UFRJ – ligando o que se faz no dia a dia ao que ainda surpreende. E convidando a sociedade a caminhar junto, uma boa história de cada vez.

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