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“Procuro a ciência a partir das pessoas”
Infectologista, Rafael Galliez valoriza a interação com comunidades locais (Foto de Fernando Souza)

“Procuro a ciência a partir das pessoas”

Médico infectologista defende o diálogo dentro das comunidades e a cooperação entre as áreas do conhecimento

Renan Fernandes

A noite da segunda-feira de carnaval de Rafael Galliez foi diferente em 2025. Diretor do bloco “Bagunça meu coreto”, o médico infectologista e professor da UFRJ só pensava no desfile da manhã seguinte, pelas ruas de Laranjeiras, quando recebeu um telefonema da Força Nacional. A missão era desafiadora: embarcar para a Ilha do Marajó, no Pará, e combater um surto de febre amarela. Após cumprir os compromissos momescos e guardar a fantasia, o pesquisador chegou às 5h da quarta-feira de cinzas ao aeroporto Santos Dumont para começar a longa viagem até a cidade de Breves, às margens do rio Parauaú, a 233 quilômetros da capital Belém.

“Fomos dialogar com a UPA de Breves, conversar com o diretor, com o Hospital Regional, fazer uma reunião com a Secretaria de Saúde. No terceiro dia, voltamos para Belém e fomos ao Hospital Universitário conferir se eles poderiam ser um posto de retaguarda”, conta Galliez sobre a extenuante rotina de idas e vindas pelos rios amazônicos.

Para não deixar a esposa sozinha com a filha de seis anos, ele retornou ao Rio antes de uma nova viagem para fazer o mesmo trabalho em Macapá. À distância, o pesquisador manteve contato direto com as equipes amapaenses do Sistema Único de Saúde para dar suporte clínico e organizar o cuidado com os pacientes. “Muitas vezes, era um agente comunitário de saúde, num braço de rio pequeno, um igarapé, que me ligava pela internet para fazer uma avaliação conjunta sobre a retirada do paciente para um hospital mais próximo.”

Ao mesmo tempo, Galliez discutia com os colegas na universidade, como o professor Amilcar Tanuri, estratégias de diagnóstico para acelerar a testagem de PCR. “É uma frente em que a gente trabalha com a ciência translacional e aplicada, para avaliar o impacto das doenças e criar novas estratégias de combate”, explica.

Professor do Departamento de Doenças Infecciosas, Rafael defende o movimento de cooperação entre diferentes departamentos e laboratórios para o desenvolvimento de uma ciência coletiva, fruto de múltiplos esforços. “No campo biomédico, a universidade não tem um papel só de ensino, pesquisa e assistência, mas também o de construir um diálogo para pensar o problema numa dimensão coletiva”, avalia.

Parceria com os alunos

Coordenador de ensino do Núcleo de Enfrentamento e Estudos de Doenças Infecciosas Emergentes e Reemergentes (Needier), o professor recorreu aos seus alunos de iniciação científica para a construção de uma interface de vigilância epidemiológica do avanço da febre amarela. “Temos uma linha: todos eles devem trabalhar os dados públicos para construir um entendimento do seu objeto de pesquisa. Isso nos ajuda a ter respostas.”

Luana Johas, estudante do sexto período de Medicina, é aluna de iniciação científica de Galliez há dois anos e meio e participou do trabalho de criação do observatório na linguagem de programação R. “A ideia foi justamente transformar um monte de linhas de tabela em algo visual, que mostrasse com clareza como a doença estava se espalhando no tempo e no espaço”, descreve.

Um dado em específico chamou a atenção do médico já nas visitas e depois ficou evidenciado nos mapas do observatório. “As pessoas estavam pegando febre amarela jovens, adolescentes. Isso é uma falha de cobertura vacinal radical”, aponta.

Cenários epidêmicos

Aos 48 anos, Galliez concilia o trabalho na UFRJ com a assistência à população como médico da unidade intensiva do Instituto Estadual de Infectologia São Sebastião (IEISS). A experiência com cenários epidêmicos de febre amarela veio do enfrentamento à doença na região de Piraí, no Rio de Janeiro, entre 2017 e 2019.

“Este é o meu trabalho desde sempre: um diálogo entre a clínica, o cuidado com o indivíduo, mas já com um olhar para as doenças em uma escala populacional”, revela com orgulho.

O desafio da interação com as comunidades locais é uma das chaves para a aceitação do tratamento. “É preciso trabalhar com uma tradução do conhecimento para que, de fato, as ações na comunidade sejam entendidas como ações de cuidado”, afirma, ao se recordar das rodas de conversa em escolas públicas com estudantes e familiares. “Mostrar que não é um estranho que vai arrancar seu sangue, levar embora e dizer coisas que ninguém entende”, reforça.

Durante a pandemia da Covid-19, o médico lançou o olhar às mulheres grávidas, uma população negligenciada em meio a todo o caos. A partir das pacientes do IEISS, Galliez pesquisou o maior grupo de gestantes com Covid do mundo, o que já resultou em quatro artigos sobre o entendimento da doença no período gestacional.

Perguntas e conexões

“Procuro a ciência a partir das pessoas. Faço perguntas porque as pessoas me apresentam perguntas, os pacientes me apresentam perguntas”, detalha, sobre sua forma de trabalhar.

Para a estudante de iniciação científica Luana, a experiência de aprendizagem é inspiradora. “Com ele, aprendi desde cedo na graduação a importância de conectar diferentes dimensões do conhecimento: compreender a doença em profundidade, analisar a epidemiologia, integrar determinantes sociais da saúde e utilizar ferramentas que, à primeira vista, parecem distantes da medicina, como programação e análise de dados”, pontua a futura médica.

Quem serviu de modelo para Galliez também fala sobre ele com brilho nos olhos. “Rafael é um dos meus filhotes acadêmicos”, brinca o professor Afranio Kritski, orientador de doutorado. “É um excelente pesquisador porque entende de pesquisa na área básica, da pesquisa translacional, mas também da pesquisa clínica e epidemiológica.”

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