Renan Fernandes
A UFRJ deu um passo importante na busca por soluções para a crise climática e a gestão de resíduos. O Instituto Virtual Internacional de Mudanças Globais (Ivig) inaugurou, na quarta-feira (10/12), o Laboratório de Pesquisa Aplicada em Pirólise de Resíduos e Descarbonização, unidade semi-industrial equipada com um reator de pirólise de 18 toneladas, importado da China e considerado um dos maiores em operação em instituições de pesquisa da América Latina.
O novo laboratório, que também conta com uma planta de descarbonização de tecnologia nacional, busca o desenvolvimento de protótipos para transformar lixo e gás carbônico em matérias-primas valiosas, ajudando os setores público e privado a cumprirem as agendas de descarbonização.
A iniciativa, que coloca a UFRJ e o estado do Rio de Janeiro na linha de frente das tecnologias de baixo carbono, é financiada pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (Faperj), que investiu R$ 7,5 milhões na aquisição e montagem da unidade de pesquisa. O Ivig conta também com o apoio da Coordenação de Compensação Ambiental e Energia (CCAE/UFRJ) e da Prefeitura Universitária, que cedeu o galpão na Ilha do Fundão para receber o laboratório.
Importado da China, o reator é resultado também de cooperação internacional desenvolvido no Ivig. O professor Marcos Aurélio de Freitas, coordenador do instituto, esteve recentemente em Shandong para formar parcerias e trocas de experiencias. “Este ano fui à China, no ano passado estive na França. Queremos discutir outras possibilidades dentro dos modelos climáticos”, revela.
“Uma dificuldade que muitos estão tendo é que os modelos miram 20, 30 anos à frente, mas precisam dar resultados agora”, explicou Freitas sobre a necessidade de resultados imediatos.
O reitor Roberto Medronho compareceu à inauguração e destacou o alinhamento da iniciativa com a política de sustentabilidade e educação regenerativa da UFRJ: “Estamos vendo aqui o que queremos da universidade. É a universidade produzindo ciência, tecnologia e informação, produzindo novas ideias e propostas concretas para a transformação da sociedade”.
Reciclagem química
A pirólise é um processo termoquímico que decompõe materiais por aquecimento na ausência de oxigênio. Pode processar uma ampla gama de resíduos sólidos, desde biomassa (como bagaço de cana, casca de coco, podas de árvore) até plásticos sem valor de reciclagem.
A transformação gera três produtos com aplicações práticas: um óleo pirolítico que pode ser usado em caldeiras para gerar energia ou ser fracionado em combustíveis como a gasolina; gases reaproveitados para a autossustentação energética do próprio sistema; e o biochar, um carvão de alta qualidade utilizado na agricultura para fertilizar o solo e sequestrar carbono.
O Panorama dos Resíduos Sólidos no Brasil 2025, lançado na última segunda-feira (8/12), apontou que o Brasil produziu 81,6 milhões de toneladas de resíduos sólidos urbanos no ano passado – um crescimento de 0,75% em relação a 2023. Os dados indicam que, em média, cada brasileiro gera 1,2 quilos de lixo por dia ou 384 quilos por ano.
“O que fazemos aqui é pegar aquilo que não tem valor econômico, como o plástico que sobra depois da reciclagem ou o lixo flutuante da Baía de Guanabara, e transformar em produtos úteis”, resume Freitas.
A proposta é criar centrais integradas de tratamento em que o lixo seco é reciclado quimicamente via pirólise, enquanto o orgânico é convertido em biogás. Combinados a uma triagem eficiente dos resíduos, estudos apontam que é possível reduzir a massa enviada aos aterros sanitários para menos de 10%, criando uma cadeia de valor a partir do que hoje é descartado.
Impacto nas pesquisas
“Trazer uma máquina de 18 toneladas para fazer pirólise de resíduos é um desafio grande para nós, pesquisadores, alunos e técnicos do laboratório”, ressalta Freitas. O professor celebra o aumento da produtividade acadêmica que já se reflete nos primeiros contatos com a nova unidade: “Agora podemos testar em maior porte. Já estão saindo teses, dissertações, monografias”.
Zilton Fonseca, doutorando do Programa de Planejamento Energético da Coppe e pesquisador da área de geração de energias com resíduos sólidos urbanos, comemora as possibilidades oferecidas pelo novo laboratório: “Trabalho com o tratamento térmico de resíduos. Ter esse forno de pirólise aqui é uma grande oportunidade que permite os ensaios, principalmente com o plástico”.
“Aqui vamos conseguir estudar e dar um destino final para diferentes produtos do resíduo urbano e até gerar outros produtos com valor econômico”, explica a também doutoranda Rafaela Montagnoli. “O Ivig traz para a gente a possibilidade de produzir uma metodologia em escala industrial para todo esse gerenciamento de resíduos.”
A professora Denise Pires de Carvalho, presidente da Capes, também esteve presente à inauguração. “A inauguração deste laboratório demonstra que pesquisas básicas anteriores, que são a descrição de novas metodologias, levaram ao processo de captura de CO₂, um dos mecanismos para a mitigação das mudanças climáticas”, pontua. “A UFRJ é um exemplo de que a pesquisa sempre pode levar à inovação e à aplicação do conhecimento gerado.”